Ali Paterson, da Fintech Finance, se reuniu recentemente com David Bailey, diretor de Desenvolvimento de Negócios e Inovação do Cliente do Santander UK, e Andy Renshaw, da Feedzai, para discutir “Pagamentos, atrito, atendimento ao cliente e fraude”.
O que vem a seguir é uma conversa perspicaz que aborda o atrito para o cliente no período pré e pós-COVID-19, o futuro do dinheiro em espécie, fraudes durante a pandemia de coronavírus, a ascensão dos pagamentos por aproximação, inteligência artificial e muito mais.
Confira abaixo um breve resumo que foi editado para uma maior objetividade.
Ali Paterson: quais eram as expectativas dos clientes pré-pandemia e qual é o maior obstáculo para cumprir essas expectativas? Basicamente, quais são as dificuldades com pagamentos na experiência do cliente?
David Bailey: se estivermos falando sobre a era pré-COVID-19, acho que, na realidade, os clientes têm uma visão bastante equilibrada sobre pagamentos. Eles querem que tudo ocorra da melhor forma possível, mas fico feliz em dizer que os clientes desconfiam de qualquer coisa que possa lhes causar alguma inconveniência, prejuízo ou algo inesperado. Isso é positivo do ponto de vista da prevenção de fraudes.
Na verdade, os clientes tomam decisões sobre como vão pagar por um produto em questão de milissegundos. Esse é um dos desafios enfrentados ao introduzir inovações. No setor de pagamentos, é muito difícil mudar o comportamento dos clientes. Às vezes, é preciso um incentivo da indústria, já que os clientes podem ser bem resistentes a novidades.
Curiosamente, essa resistência também ocorre quando as coisas perecem muito fáceis. Quando o pagamento por aproximação foi lançado, acho que as pessoas pensavam que podia ser algum tipo de golpe. Apenas quando houve um incentivo da indústria para o transporte subterrâneo gratuito, e as pessoas viram que não aconteceu nada de errado, foi que começamos a observar uma maior adesão. Acho que as pessoas esperavam que houvesse mais atrito no processo.
Andy Renshaw: No pós-COVID-19, acho que a expectativa era de que algo mudasse, mas os clientes não sabiam bem como ocorreria essa mudança. Até certo ponto, os clientes vêm experimentando essa tecnologia praticamente toda semana. Os pagamentos por aproximação e o aumento dos limites de crédito são um ótimo exemplo.
Também observamos clientes que não eram usuários digitais ou adeptos do comércio eletrônico se tornarem clientes digitais agora. Um bom exemplo seria o novo modelo de compras de supermercado on-line. De certa maneira, isso é muito prático, mas, por outro lado, surgiu a necessidade de reestabelecer a confiança. E vimos os clientes fazendo exatamente isso. Acho que é provavelmente o que vimos acontecer, de fato, nos últimos meses — a construção de uma relação de confiança com pessoas estabelecidas em diferentes canais ou com novas empresas que talvez elas ainda não conheçam.
AP: Desde o isolamento por causa da COVID-19, houve uma grande adesão aos pagamentos por aproximação e ao comércio eletrônico, principalmente no início do confinamento. Na sua opinião, houve um aumento de fraudes ou você acha que o público está mais atento?
David: De fato, verificamos o aparecimento de diferentes tipos de fraude desde o início do isolamento. Do ponto de vista bancário, precisamos ser cautelosos e orientar nossos clientes para tomar cuidado com fraudes, pois muitos tipos de golpes têm surgido de repente. É surpreendente como os golpistas aproveitaram rapidamente as oportunidades proporcionadas pela COVID e pelo isolamento.
O outro lado da moeda é que os pagamentos por aproximação finalmente estão em alta, mesmo com uma certa resistência à tecnologia a princípio. Antes das medidas de isolamento, uma em cada quatro transações de compra era por aproximação. Esse número disparou ainda mais. De certa forma, a indústria deveria se orgulhar de ter conseguido rapidamente elevar esse limite para 45. Acho que isso fez os clientes aceitarem melhor o pagamento por aproximação.
Andy: A tipologia ou o método da fraude não mudou, mas a linguagem em torno dela sim. Os fraudadores estão aproveitando as fraquezas e os pontos de exposição que a COVID-19 trouxe e mudaram a narrativa em torno de por que e como estão tentando enganar os clientes.
Do ponto de vista do comércio eletrônico e em geral, precisamos estar cientes de que durante uma recessão ou desaceleração mais ampla, diferentes tipos de fraudes podem começar a surgir. Tipos de fraude como fraude por dificuldades financeiras, estornos de reembolsos e reivindicações de não recebimento de mercadorias serão cada vez mais frequentes. Eu não diria que estamos vendo isso ainda, mas se continuar desse jeito, essas coisas podem se tornar mais comuns.
AP: Você acredita que estamos começando a observar uma aversão ao uso de dinheiro em espécie, mas de uma maneira que não deixe as pessoas sem opções financeiras para realizar transações? Essa é uma questão complicada. Queremos que as pessoas possam realizar transações, sem nenhum impedimento. No entanto, parece haver uma diminuição na taxa de aceitação do uso de dinheiro em espécie.
David: Claramente, o uso de caixas eletrônicos (ATMs) diminuiu drasticamente durante o isolamento. Está começando a aumentar novamente, mas não acreditamos que voltará aos níveis pré-COVID, pois as pessoas se acostumaram a pagar de formas diferentes.
Há um risco para pessoas que não estão acostumadas a fazer pagamentos ou administrar seu dinheiro através de métodos que não utilizem dinheiro em espécie. E a verdade é que elas terão de se adaptar, porque muitos comerciantes já não aceitam mais dinheiro em espécie. Particularmente, sinto muito pelas instituições de caridade que contavam com as doações de pequenas quantias em dinheiro. É muito bom observar que as instituições de caridade estão passando a aceitar pagamento por aproximação. Mas isso me preocupa. Espero que consigam se adaptar logo.
No Santander, trabalhamos com algumas instituições de caridade para ajudá-las a começar a aceitar e a adotar pagamentos por aproximação no transporte público, etc. Mas acho que será preciso que haja uma mudança no comportamento das pessoas, pois os comerciantes vão começar a incentivar o uso da tecnologia.
AP: Com um movimento tão forte em direção a pagamentos online, eletrônicos e de comércio eletrônico, especialmente em termos de volume de transações, como as tecnologias de IA e o aprendizado de máquina podem ajudar a gerenciar esse volume de transações tanto em termos de reconciliação quanto no reconhecimento de algo suspeito?
Andy: Eu vi um artigo do MIT Technology fazendo a mesma pergunta. De acordo com a minha experiência trabalhando na Feedzai, há incentivos. Basicamente, os modelos de aprendizado de máquina ainda observam o comportamento individual e determinam se ele é normal ou não. Os modelos são usados com essa finalidade. Por exemplo, períodos de pico de pagamentos, Black Friday, Cyber Monday, entre outros. — essas são grandes mudanças de comportamento que os modelos conseguem lidar com facilidade.
Embora o coronavírus seja uma ocorrência única em termos de duração, alguns de seus princípios básicos não são incomuns para modelos de aprendizado de máquina. E o que temos observado, basicamente, é que eles têm lidado bem com os desafios. Apesar de os clientes estarem se comportando de maneira diferente, suas transações ainda são relativamente comuns. Eles continuam frequentando os mesmos estabelecimentos de antes; não passaram a buscar novas opções de estabelecimentos de repente. Eles continuam realizando pagamentos de valores altos e baixos nos mesmos lugares de sempre. Nesse sentido, se considerarmos o grau de normalidade, ele ainda é bastante alto.
A segunda parte do modelo de aprendizado de máquina procura por comportamentos anômalos ou fraudulentos e por valores discrepantes. Os golpistas continuam, de diversas maneiras, praticando os mesmos tipos de fraudes, e essas transações ainda se destacam como atípicas em relação ao comportamento normal. No entanto, a combinação de elementos dentro da faixa considerada normal sofreu mudanças. O que observamos é uma grande diferença entre o comportamento de golpistas e o comportamento autêntico dos clientes. Por esse motivo, o que vemos é, na verdade, um desempenho mais estável da inteligência artificial. A capacidade de segmentar e distinguir o que é ruim do que é bom tem se mantido consistente ao longo do tempo.
David: Cada vez mais, estamos buscando a ajuda do aprendizado de máquina e da inteligência artificial, especialmente em relação a crimes financeiros e fraudes, para nos auxiliar a identificar padrões suspeitos de comportamento. Esses recursos servem como complemento para as ferramentas que usamos. Sempre foi necessário combinar essa tecnologia com muita interação humana e intuição para descobrir como direcionar a capacidade de aprendizado de máquina e como utilizar seus resultados.
Do ponto de vista bancário, a integração do aprendizado de máquina em um ambiente altamente regulado, onde todas as decisões e resultados precisam ser auditáveis, pode tornar o processo um pouco mais lento. Ainda assim, não resta dúvida de que o aprendizado de máquina e a inteligência artificial são a solução ideal para nos ajudar a lidar com padrões de fraude cada vez mais sofisticados e com os golpistas por trás desses crimes. Não será uma tarefa fácil, por isso precisamos continuar desenvolvendo nossos recursos.
AP: Você acredita que as pessoas precisam de uma certa dose de complexidade em suas transações financeiras para se sentirem seguras contra fraudes? Por exemplo, eu não quero nada complicado, mas minha mãe não confia nem um pouco em um processo que não tenha um certo grau de complexidade.
David: É uma questão muito interessante, porque, de fato, as pessoas esperam que haja mesmo uma certa complexidade. A analogia é a seguinte: você tranca a porta da frente da sua casa, certo? Acho que é assim que as pessoas se sentem em relação às suas finanças. As pessoas esperam encontrar certa dificuldade em suas transações financeiras, mas estão dispostas a abrir mão dessa complexidade quando se trata de uma marca confiável. Elas podem deixar os dados do cartão registrados com você, mas, naturalmente, terão resistência em fazer o mesmo com um desconhecido.
Na verdade, a legislação está nos levando cada vez mais a priorizar a segurança. Estamos percebendo que, onde antes havia pouco atrito, atualmente, verifica-se um pouco mais. Em geral, acredito que as pessoas aceitam bem isso.
O que vejo do ponto de vista do open banking são oportunidades para que haja menos atrito. Se você observar alguns dos processos agora, eles estão se tornando bastante simplificados. Podemos considerar algumas das grandes plataformas digitais que passarão a adotar o open banking de uma maneira descomplicada (sem atrito) em comparação com as exigências dos cartões. Há uma possibilidade real de eliminar o atrito desses processos em que as pessoas confiam nas marcas.
Andy: Costumamos pensar em atrito à medida que os clientes intervêm. Porém, minha experiência anterior se resumia principalmente em explicar aos clientes o que estávamos fazendo. Tive a sorte de participar do lançamento de um aplicativo que realiza pagamentos com muita rapidez. Na verdade, tínhamos que comunicar aos clientes durante as etapas de pagamento que estávamos realizando verificações de segurança. O cliente não precisava fazer nada de diferente. Ao informá-los, ainda que demandasse mais tempo, e comunicar de forma eficaz que precisávamos que aguardassem alguns segundos enquanto realizávamos verificações de segurança em segundo plano, conseguimos transmitir uma maior sensação de tranquilidade. Embora possa haver algum atrito em relação à intervenção, também é possível lidar com a situação de forma passiva e informativa.
Acredito que estamos apenas começando a ver os primeiros sinais disso, especialmente com alguns dos bancos desafiadores que oferecem recursos como a capacidade de desativar transações de apostas ou talvez transações internacionais. Pode ser que não tenhamos considerado esses fatores como atrito, mas opções como o controle do cartão ou a definição de limites de pagamento específicos pelos clientes podem ser vistas como um meio de escolher onde estão dispostos a enfrentar o atrito e onde não estão. Isso lhes permite um maior controle e que façam escolhas proativas.
Em geral, não costumamos ver uma diferenciação entre as jornadas da pessoa A e da pessoa B. No entanto, estamos começando a observar opções de escolha, permitindo que os clientes definam alguns limites por conta própria, em vez do banco fazer isso por eles.
AP: Se você diferenciar o serviço para cada cliente, isso não o deixa mais exposto a fraudes ao realizar transações em larga escala?
Andy: Sim e não. De certa maneira, as escolhas que as pessoas fazem seriam, de fato, dados úteis e essencialmente um importante indicador. Pode-se dizer que clientes que escolhem graus elevados de atrito ou que optam por não realizar certas transações, muitas vezes, são mais fáceis de proteger.
Do outro lado da moeda, há aqueles que são mais permissivos ou que preferiram eliminar o atrito. É aí onde você pode escolher direcionar seus modelos de aprendizado de máquina e regras diariamente. De muitas maneiras, isso pode ajudar a focar melhor nas suas estratégias.
David: Acredito que pode haver alguma complexidade quando os clientes escolhem um nível de atrito e acabam recebendo algo diferente por causa das regras antifraude em vigor ou, por algum motivo, a transação é sinalizada como suspeita. E também pode haver certa complexidade em relação à responsabilidade, da qual você precisaria estar muito ciente.
AP: Precisamos falar sobre o futuro. Suponhamos que haja uma quantidade muito maior de pontos de venda físicos do que percebemos atualmente. Na sua opinião, modelos como o Amazon Go têm potencial no futuro? E, em relação aos pagamentos on-line, quais são algumas das ferramentas que vamos experimentar na escala necessária?
David: Minha opinião sobre o modelo AmazonGo é que a mudança será maior do que as pessoas esperam, mas também mais lenta do que o esperado. Existe um potencial real para esse modelo surgir no futuro, mas acredito que isso acontecerá de forma bastante lenta. Posso compartilhar uma experiência pessoal. Comecei a usar aplicativos de postos de gasolina para evitar ter que entrar na loja toda vez que preciso abastecer o carro. No entanto, mesmo depois de abastecer e pagar pelo aplicativo, ainda sinto uma necessidade forte de mostrar meu celular ao atendente antes de sair, porque me sinto desconfortável em partir sem ter certeza de que paguei pelo serviço. Eu sei que eles recebem uma notificação, mas ainda sinto que preciso acenar para o atendente. Acho que ainda vai demorar um pouco para que os clientes se acostumem com o conceito de sair “sem pagar”. Esse tipo de coisa definitivamente vai acontecer, e veremos os pagamentos como parte de jornadas mais amplas se tornarem muito mais integrados de uma maneira que pareça muito mais fluida para o cliente. Veremos isso cada vez mais, especialmente dentro de grandes plataformas e mercados digitais. O transporte vai ficar muito mais eficiente, e outras coisas também, como micropagamentos ou consumo de mídia.
Se pensarmos na indústria de mídia, esse é um modelo realmente desafiador para muitas empresas. Provavelmente, essas empresas precisarão chegar a um ponto em que possam receber micropagamentos pelo conteúdo, em vez de continuar dependendo do modelo publicitário. Será interessante ver se coisas desse tipo realmente acontecerão.
AP: Não teria tanta certeza. Toda vez que pego um Uber, por exemplo, desço do carro e entro de novo, porque acho que ainda preciso pagar.
David: Como sempre, esse tipo de coisa leva um tempo para se acostumar. Mais uma vez, provavelmente será necessário que uma indústria impulsione as coisas ou, pelo menos, que algumas das grandes marcas realmente façam as pessoas se sentirem confortáveis e incentivem a mudança de comportamento. Eles precisam ver que não vai acontecer nada de errado. Eu espero ver essa tendência ganhando força no espaço do Open Banking. Os clientes não sabem o suficiente sobre o assunto, mas estão começando a perceber um pouco mais de crescimento, especialmente no setor de caridade. O Open Banking tem um grande potencial para reduzir alguns dos atritos existentes.
AP: Andy, qual é a sua opinião sobre o modelo Amazon Go e quais são as ferramentas para implantá-lo em grande escala?
Andy: Estamos definitivamente vendo a convergência das mídias sociais com as interações financeiras digitais. Sabemos que os celulares estão se tornando uma opção cada vez mais comum para realizar pagamentos de forma padronizada. Essas coisas vão continuar apenas nas transações com valores baixos. E por esse motivo, acredito que vamos ver o dinheiro em espécie quase que desaparecer, pois os micropagamentos poderão ser feitos com mais facilidade.
A situação é um pouco diferente quando se trata de pagamentos de alto valor, transações mais complexas ou quando se espera ter um relacionamento de longo prazo. Por exemplo, digamos que você esteja comprando um carro e pretenda retornar a concessionária anualmente. Você se sente à vontade em utilizar um método de pagamento com relativamente pouco contato em uma situação como essa? Não tenho tanta certeza.
Temos observado um crescimento significativo do modelo de carteira ou de associação. As pessoas se sentem à vontade em compartilhar seus dados de pagamento com alguém em quem confiam. Assim, esse passa a ser o meio de pagamento preferencial porque já existe uma relação de confiança estabelecida. Acho que essa tendência vai persistir.
Um dos problemas com a eliminação do dinheiro em espécie será o gerenciamento do orçamento. Por exemplo, algumas pessoas têm o costume de retirar dinheiro uma vez por semana e utilizá-lo para cobrir os gastos da semana inteira. Pessoas capazes de auxiliar outras na gestão de seus orçamentos e oferecer transparência em relação aos gastos virtuais têm potencial para serem bem-sucedidas. Minha esperança é que o open banking possa criar uma oportunidade nesse sentido, permitindo que as pessoas possam ter não só seus pagamentos feitos de forma conveniente, mas também seu orçamento gerenciado. A junção dessas duas coisas poderia se tornar um projeto poderoso.
Quer obter mais informações sobre as estratégias pós-COVID? Assista à mesa-redonda: Crise, fraude e o uso da IA.